domingo, 15 de novembro de 2015

A Teoria Perfeita

Livro conta a história da relatividade geral, e o que torna algo uma ciência 

NRAO

Até o desenvolvimento da radioastronomia – exemplificada aqui pelo telescópio Very Large Array no Novo México – a relatividade geral era considerada mais especulação que fato. (Imagem: NRAO)

Por Ashutosh Jogalekar

O livro de Pedro Ferreira,The Perfect Theory: A Century of Geniuses and the Battle over General Relativity (“A Teoria Perfeita: Um Século de Gênios e a Batalha pela Relatividade Geral”, em tradução literal, sem edição em português), nos conta o que outras pessoas fizeram com a teoria da relatividade geral de Einstein depois que ele a desenvolveu. Ainda que um capítulo inteiro seja dedicado aos árduos esforços de Einstein para aprender a geometria não-Riemaniana e para construir as equações de campo que definem a teoria, o livro realmente decola depois de 1917, quando vários homens e mulheres descobriram as incríveis implicações dessas equações. O livro é uma leitura rápida e faz um ótimo trabalho retratando personalidades diversas e descobertas empolgantes reveladas pela relatividade geral.

Em 1919 a teoria já estava bem estabelecida como parte da empreitada científica, especialmente após ter ditado o valor correto do periélio de Mercúrio e previsto a curvatura da luz estelar observada por Arthur Eddington, uma descoberta que projetou o nome de Einstein para as manchetes de todos os principais jornais do mundo. Eddington foi o herdeiro de Einstein, dominando profundamente a teoria e compreendendo suas implicações para a estrutura estelar. Ironicamente, ele não ousou levar essas implicações até sua conclusão lógica. Essa tarefa foi deixada para um jovem astrofísico indiano chamado Subrahmanyan Chandrasekhar, que abriu o caminho para a descoberta de buracos negros ao considerar o que acontece quando estrelas ficam sem combustível e colapsam sob a contração gravitacional. A repreensão de Eddington às descobertas de Chandrasekhar ficou famosa, e revelou que ele era muito parecido com Einstein: um revolucionário na juventude e um reacionário na maturidade.

A história dos buracos negros é uma das principais linhas seguidas pelo livro. As ideias de Chandrasekhar foram desenvolvidas por Lev Landau, Fritz Zwicky e Robert Oppenheimer na década de 30. A história de Oppenheimer é especialmente interessante, já que foi ele quem descobriu teoricamente os buracos negros, mas que depois se dissociou completamente deles, não demonstrando qualquer interesse na relatividade geral até o fim de sua vida. Na verdade, Oppenheimer via a relatividade como a vasta maioria dos físicos que foram pegos nas revoluções nuclear e quântica das décadas de 30 e 40. A mecânica quântica e a física de partículas eram as novas fronteiras; a relatividade era só especulação.

Foi o eminente físico de Princeton, John Wheeler, quem continuou o trabalho de Oppenheimer. Wheeler realmente é o pai da relatividade moderna, já que foi ele quem reacendeu o interesse pelo assunto nas décadas de 50 e 60. Muitos de seus alunos, como Jacob Bekenstein e Kip Thorne, se tornaram proeminentesna área. Na Grã Bretanha essa área veio à luz com Dennis Sciama, e seus alunos Roger Penrose e Stephen Hawking abriram o caminho para a compreensão de singularidades e do Big Bang. Hawking, especialmente, criou uma ligação muito importante entre informação, relatividade, termodinâmica e mecânica quântica por meio de sua exploração do que atualmente chamamos de “paradoxo da informação em buracos negros”.

O trabalho de Hawking com singularidades se conecta à segunda linha principal do livro, dessa vez envolvendo as aplicações da relatividade geral ao Universo inteiro. A história começa logo após Einstein desenvolver seu trabalho, quando Alexander Friedmann, um piloto russo de bombardeiro, e Georges Lemaître, um padre belga, descobriram que uma das soluções das equações seria um Universo em expansão. Em um famoso momento que Einstein chamou de “o maior deslize” de sua vida, o físico encontrou essa solução mas, com base nas observações de um Universo localmente estático, aplicou um fator de correção – uma ‘constante cosmológica’ – para deter a expansão,e isso acabou tendo grande importância quase oito décadas mais tarde. A história de Lemaître e Friedmann conduz logicamente à de Edwin Hubble que, em 1929, observou o desvio para o vermelho de galáxias, assim inaugurando uma das maiores eras na exploração do Cosmo. Essa era culminou na descoberta da matéria e energia escuras, e na transformação da cosmologia em uma ciência exata, e tudo isso abriu fronteiras com que Einstein sequer sonhava. E Ferreira espera que essas belas equações produzam muito mais surpresas no futuro.

Ferreira se dedica muito a descrever essas duas linhas principais. Um dos aspectos mais importantes do desenvolvimento da relatividade foi o impulso que a teoria recebeu com as observações experimentais de objetos distantes feitas pelos rádio-telescópios de Martin Ryle, Jocelyn Bell e outros. De fato, o livro destaca que, sem essas observações, a relatividade continuaria a ser considerada uma brincadeira matemática no pior dos casos, e uma ciência especulativa no melhor deles. A fixação da relatividade ao mundo real por meio da descoberta de quasares, pulsares, estrelas de nêutrons e buracos negros torna bastante clara a importância fundamental de evidências experimentais para qualquer teoria. Pessoalmente, eu teria apreciado se Ferreira também tivesse considerado algumas outras evidências para a relatividade geral, como a observação do efeito Lense-Thirring [NOTA: No original frame-dragging, qu pode ser traduzido como arrasto de estrutura, arrasto estrutural, arrasto referencial, arrasto de referenciais entre outros) pela Sonda Gravitacional B, uma maravilha técnica e um fenômeno de cair o queixo em medidas precisas, se é que já existiu um.

A última parte do livro se dedica ao desafio das últimas quatro décadas para combinar a relatividade geral e a mecânica quântica, um esforço que foi iniciado por Wheeler e seu aluno Bryce DeWitt na década de 60. As mesmas técnicas de teoria de campo que levaram a sucessos tão espetaculares na física de partículas – culminando no Modelo Padrão – foram um fracasso abismal quando aplicadas à relatividade. Uma das possíveis saídas para esse problema é a teoria das cordas, que tem a virtude de fazer a gravidade emergir naturalmente do quadro teórico. Outra teoria promissora é a gravidade quântica em loop. O problema com a teoria das cordas, que já é bem conhecido atualmente, é que ela não faz previsões testáveis e seu universo de soluções é tão vasto que qualquer coisa pode ser acomodada em seu grandes braços. Na ciência, uma teoria que pode explicar tudo normalmente é considerada uma teoria que não explica nada.

Uma das coisas que me marcou foi a importância de experimentos e observações para levar uma teoria do reino da especulação para o da realidade prática. Vale a pena comparar o progresso da mecânica quântica, da relatividade geral e da teoria das cordas nesse contexto. A mecânica quântica foi desenvolvida na década de 1920, e imediatamente explicou dezenas de fatos experimentais anteriormente confusos. Seu sucesso só cresceu na década de 30 e 40, quando ela foi aplicada à física de estado sólido, à química e à física nuclear, sempre amplamente apoiada por experimentos. Os problemas filosóficos da teoria – que ainda nos dão trabalho – não a afetaram devido a seu grande sucesso experimental. Em contraste, a relatividade geral foi desenvolvida cerca de 10 anos antes. Por volta de 1940, ela tinha duas grandes previsões para lhe dar crédito: a curvatura da luz estelar e a expansão do Universo. Mas até o fim dos anos 50 ela não tinha se tornado parte da física dominante e era considerada mais matemática que física, principalmente porque lhe faltavam evidências experimentais. Como mencionado acima, foi o desenvolvimento da radioastronomia que deu solo firme a essa teoria.

Assim, a mecânica quântica não precisou de tempo nenhum para se tornar respeitável, enquanto a relatividade precisou de quase 40 anos, mesmo com duas observações experimentais incríveis de suas previsões. A grande diferença foi a quantidade de evidências experimentais: numerosas no caso da mecânica quântica e escassas no caso da relatividade. Se comparada a essas duas, a teoria das cordas já existe há quase 40 anos e ainda não existe nenhuma evidência experimental não-ambígua em seu favor. Do ponto de vista puramente histórico, isso pode indicar que talvez estejamos no caminho errado. Existe um motivo para Feynman ter dito que o único teste verdadeiro de uma teoria científica é a experimentação.
Scientific American Brasil

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