sábado, 26 de dezembro de 2015

“Brasileiro cultua a aparência”


Ivo Pitanguy / Foto: Carlos Juliano Barros

CARLOS JULIANO BARROS

Poucas pessoas têm tantas histórias para contar quanto Ivo Pitanguy. A primeira digna de nota está relacionada com o seu nascimento. Oficialmente, Pitanguy veio ao mundo em 5 de julho de 1926, em Belo Horizonte, mas a certidão oficial feita por seu pai em cartório registra o ano de 1923. Confusões à parte, o médico cuja trajetória profissional se confunde com o advento da cirurgia plástica no Brasil prefere mesmo dizer que já está caminhando para o aniversário de número 92 talvez para enfatizar a vitalidade que esbanja.
Pelas hábeis mãos de Pitanguy, considerado um dos papas da cirurgia plástica mundial, passaram celebridades nacionais e internacionais, como a atriz italiana Sophia Loren e o piloto austríaco Niki Lauda. Todavia, a lista de pacientes e amigos ilustres é um assunto que não parece deslumbrar o pacato e observador médico mineiro radicado há muito tempo no Rio de Janeiro, onde criou os primeiros cursos de especialização em cirurgia plástica do país. “É uma satisfação enorme poder transmitir o bom conhecimento”, afirma. Pitanguy também foi o responsável por levar serviços de atendimento médico em hospitais públicos para aqueles que não podem pagar por uma cirurgia plástica.
Nesta entrevista, concedida em sua luxuosa clínica sediada no bairro de Botafogo, na capital carioca, Pitanguy também se deixou levar pela filosofia para explicar sua impressionante longevidade e a invejável capacidade de conciliar o elevado número de compromissos que recheiam sua agenda: “o tempo não se mede pelo espaço de horas, mas pela intensidade que se dá a elas”, define.

Problemas Brasileiros – Em 2014, pela primeira vez na história, o Brasil superou os Estados Unidos em número de cirurgias plásticas, tornando-se o campeão mundial nessa prática. Foram quase 1,5 milhão de operações, ou 13% do total global. O que explica esse fenômeno?
Ivo Pitanguy – Não existe uma explicação única. Em primeiro lugar, creio que a população brasileira é muito consciente de sua aparência. Ela se expõe muito ao sol, não se esconde em roupas, enfim, é muito consciente de seu corpo. Então, a cirurgia plástica foi aceita como mais uma possibilidade de as pessoas se sentirem bem com a própria imagem. Mas essa não é a razão principal. Na minha geração, ensinava-se muito pouco de cirurgia estética. Então, junto com alguns colegas, criamos no hospital da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro uma estrutura em que se ensinava cirurgia reparadora e estética, reafirmando a importância de levar em consideração os desejos das pessoas. Isso teve o mérito de trazer para as classes menos favorecidas também a cirurgia estética, além da cirurgia meramente reparadora. Nós formamos muitos médicos com essa capacitação. Outro dado importante é que surgiram outras escolas que passaram a trilhar o mesmo caminho da nossa. Então, há a vontade de se transmitir o conhecimento. Isso fez com que o Brasil, hoje, tenha cirurgiões plásticos espalhados por todo o seu território, um cenário que contrasta com o de outros países. Se você for a Aracaju [SE], a São José do Rio Preto [SP] ou a Juiz de Fora [MG] vai encontrar um cirurgião bem treinado. A cirurgia plástica no Brasil adquiriu qualidade e respeitabilidade.

PB – Qual é a diferença entre a cirurgia plástica estética e a plástica reparadora?
Pitanguy – Essa diferença não existe. A cirurgia plástica é uma só. Opera-se um indivíduo para elevar seu bem-estar e também para melhorar a relação com a sua imagem. Por exemplo: se alguém nasce com uma orelha para a frente, pode-se fazer uma cirurgia estética, por conta de uma deformidade congênita. Se, por acaso, nasce com lábio leporino, a cirurgia é puramente reparadora, mas depois passa a ser estética para torná-lo igual ao lábio normal. É necessário dar relevância à cirurgia plástica como um todo e isso se reflete no ensino. É importante entender a profundidade que existe em tratar um traumatismo esteticamente.

PB – Lipoaspiração, implante de silicone nas mamas e operação de elevação dos seios são os procedimentos mais comuns, segundo levantamento da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética. As mulheres ainda recorrem mais a cirurgias plásticas do que os homens?
Pitanguy – É preciso falar de cirurgia plástica de uma maneira mais ampla, e não nesse ou naquele tipo de cirurgia, porque, como já afirmei, cirurgia estética e cirurgia reparadora se confundem muito. Um dos procedimentos mais comuns entre as mulheres é a cirurgia abdominal para aquelas que têm muitos filhos, aglutinando aspectos funcional e estético ao mesmo tempo. A lipoaspiração, por exemplo, é feita aqui em condições iguais às de outros países e tem indicações limitadas. Ela é bem indicada para as lipodistrofias e gorduras localizadas. Mas não se emagrece ninguém com lipoaspiração.

PB – É possível traçar um perfil dos brasileiros que buscam uma cirurgia plástica? Esse perfil vem mudando ao longo do tempo?
Pitanguy – Existe hoje em dia uma certa mudança, sobretudo devido à facilidade da exposição da imagem. Isso fez com que a população se nivelasse quanto à procura de uma imagem ideal. O marketing exagerado fez surgir figuras ideais que não podem ser reproduzidas. Outro ponto: as pessoas começaram a ficar mais obesas, criando um campo muito grande para as cirurgias que tratam da obesidade. Cada vez mais existe a necessidade de que o cirurgião plástico seja bem formado para orientar quem deseja fazer algum tipo de procedimento. Nesse aspecto, a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica é bastante atuante e se ocupa da qualidade e fiscalização dos cursos de formação de cirurgiões. Somos um dos poucos países em que existe hegemonia de uma entidade. Em outros lugares, há várias delas brigando.

PB – Como o senhor avalia as críticas de que existe uma obsessão por cirurgias plásticas no Brasil, alimentando a construção de um padrão estético preconceituoso que não corresponde ao da maioria dos brasileiros?
Pitanguy – A formação do cirurgião é que vai fazê-lo dizer ao paciente se ele precisa mesmo ser operado ou se deve buscar outro tipo de ajuda. O importante é que o profissional – antes de ser cirurgião – seja médico, para saber aconselhar o paciente. A cirurgia plástica não deve ser banalizada. Ela deve ser vista como um ramo da cirurgia geral e feita em indicações apropriadas.

PB – Recentemente, a conhecida modelo brasileira Andressa Urach sofreu uma grave infecção em decorrência da aplicação de hidrogel. Casos semelhantes já tiveram grande repercussão, como o da modelo Claudia Liz e do cantor Marcus Menna, que entraram em coma durante procedimentos de lipoaspiração. O que explica um caso como esse: falha do médico, falta de assepsia da clínica ou não confiabilidade do tratamento?
Pitanguy – Sem entrar nos detalhes de nenhum desses casos, uma das questões mais importantes no campo da cirurgia plástica é não utilizar produtos que não tenham uma longa comprovação clínica e laboratorial. Há produtos que não devem ser utilizados ou são utilizados erroneamente, muitas vezes até por pessoas que sequer têm formação em medicina. Além disso, alguns itens não deveriam ter sido liberados. Aliás, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária [Anvisa] já proibiu um tipo de hidrogel. É muito difícil injetar alguma substância que o organismo tolere. Então, é importante saber o que injetar. Nós vemos tanto aqui na clínica privada quanto na Santa Casa muitos casos de pessoas que vão à academia para injetar óleo mineral para ganhar músculos, uma barbaridade. É essencial que o paciente saiba que não pode aplicar qualquer coisa no seu corpo e que deve procurar se informar bem, com orientação de um médico competente.

PB – O senhor é a maior referência em cirurgia plástica no Brasil e uma das maiores do mundo. Além de criar técnicas inovadoras, também organizou os primeiros cursos dessa especialidade no país. Em que papel o senhor se sente mais à vontade: no de cirurgião ou no de professor?
Pitanguy – Na vida, quando se tem a oportunidade de transmitir o conhecimento, é o mais importante que se pode fazer. Lutei muito para aprender sobre cirurgia plástica porque, simplesmente, na minha época não se ensinava sobre ela. Então, comecei a fazer isso, e nosso curso vem há 53 anos formando médicos cirurgiões. Tempos atrás, fizemos uma foto da primeira turma formada junto com o grupo diplomado de número 50. É uma satisfação enorme poder transmitir o bom conhecimento. Ao mesmo tempo, professor é aquele que aprende, não só o que ensina. Aprende com o convívio. Esse convívio faz com que a curiosidade permaneça viva. É um conjunto da alegria de viver e de ensinar.

PB – Interessados de fora do Brasil procuram o senhor para aprender sobre cirurgia plástica?
Pitanguy – Como fui pioneiro em diversas técnicas, durante toda a minha vida, recebi gente do mundo inteiro. Mas também é muito importante ter por perto as pessoas simples, aprender que entre o mendigo e o rei não há diferença. Você aprende lidando com todo mundo.

PB – Muitas pessoas que sofrem acidentes necessitam de cirurgia plástica para recuperar a configuração original do corpo. Como o senhor, que trabalhou na Santa Casa e no hospital municipal Souza Aguiar, ambos no Rio de Janeiro, avalia as políticas públicas direcionadas a pessoas que não podem pagar por um cirurgião plástico particular?
Pitanguy – No aspecto técnico da cirurgia plástica, o Brasil até que está relativamente bem. Estamos mal é na orientação e na qualidade dos serviços públicos. Se pensarmos em serviços que dependem de verbas, como o tratamento de grandes queimaduras, aí é que não estamos bem mesmo. Não somos comparáveis a outros países, a outros grandes centros. São serviços que, além do conhecimento médico, necessitam de manutenção – e isso custa dinheiro. Os enfermeiros, os medicamentos, enfim, todo o tratamento de um grande traumatizado custa muito caro. Nesse sentido, somos inferiores ao que de melhor se faz no exterior devido à nossa situação social. Mas a qualidade da medicina e da cirurgia plástica praticadas aqui são excelentes.

PB – O senhor deixou de fazer cirurgias há quase dois anos. Sente falta?
Pitanguy – Até os 90 anos, eu ainda operava. Parei sentindo que havia cumprido meu tempo. Mas ainda tenho um imenso prazer em dar consultas a pacientes, grupo selecionado de pessoas que gostam de ter a minha orientação, só que agora em número mais reduzido do que no passado. Também conduzo cursos de formação, um de pós-graduação na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro [PUC-RJ], que tem mais de 50 anos, e outro no Instituto de Pós-Graduação Médica Carlos Chagas. Tudo isso criado no âmbito do Instituto Ivo Pitanguy, que engloba a Santa Casa e a parte do ensino. Também continuo atuando na área científica, junto com um grupo de pessoas associadas da maior qualidade.

PB – O trabalho do cirurgião tem um quê do ofício do artesão?
Pitanguy – Em todo trabalho manual existe muito do artesão. O artesão puro não é valorizado. Mas não há uma grande pintura sem o artesanato. Não há uma grande escultura sem o artesanato. Michelangelo, por exemplo, foi um grande artesão italiano. Na medicina, você tem que – quando possível – conceber o útil. Mas depois você entrega ao organismo, que vai ter reações próprias. É uma profissão de intenções, não de fins absolutos, porque se assim fosse seríamos deuses – e não somos! A medicina é uma arte aplicada. Nas classificações antigas, desde os tempos de Aristóteles, a medicina não é tida como uma ciência dogmática, mas especulativa. Você está procurando encontrar a solução. Você não tem a solução. O médico precisa ter a vontade de acertar e essa vontade é conduzida pela formação, pelo estudo, pela especialidade. A medicina não pode ser inventada e reinventada, ela tem que ser feita, estudada e sedimentada ao longo de muitos anos.

PB – O senhor foi amigo de escritores consagrados, como Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos, seus conterrâneos de Minas Gerais. Também manteve contato com personalidades como o filósofo Jean-Paul Sartre, o pintor Salvador Dalí e o cineasta Roman Polanski. O senhor é um grande amante das artes?
Pitanguy – Sou um grande amante da vida. Amo primeiro a natureza. Sempre gostei muito de bicho. Quando era garotinho, gostava tanto de bicho quanto de gente. E, desde jovem, sempre fui esportista. Gosto muito da disciplina que o esporte dá – e que trago para a vida. E gosto muito do convívio humano. Gosto da vida em toda a sua amplitude. Mas, por conta da medicina e do trabalho, evidentemente, sobra pouco tempo. Só que o tempo não se mede pelo espaço de horas, mas pela intensidade que se dá a elas. Por exemplo: se eu ia dar uma conferência em Kuala Lumpur, aproveitava para conhecer um pouco da Malásia. Aprendi muito sobre a vida nessas conferências que fiz pelo mundo, sendo levado por motivos puramente profissionais. Devo muito às obrigações profissionais e soube tirar proveito delas. E, evidentemente, gosto muito da vida familiar, de minha mulher, de meus filhos, sinto que a família é um núcleo fundamental. Tive a sorte de nascer numa família unida: meu pai era médico e minha mãe era uma grande senhora, uma grande humanista. Compreendo a divergência entre as pessoas, entendo que os filhos não têm de ser iguais aos pais. Mas é importante que exista um amor comum.

PB – O senhor recentemente lançou um livro com suas memórias intitulado Viver Vale a Pena. Como é sua relação com a literatura?
Pitanguy – Gosto muito de ler, e escrevo um pouco. Escrevo, sobretudo, trabalhos científicos, e são mais de 900 artigos e 40 livros. Mas Viver Vale a Pena é uma obra sem pretensões, que conta um pouco disso sobre o que estamos conversando: a luta por um ideal e a luta para transmiti-lo.

PB – O senhor se arrisca a escrever poemas, narrativas ficcionais?
Pitanguy – Não. Sou um grande leitor de poesia e gosto muito de literatura. Leio muito a grande literatura mundial. Adoro todos os clássicos. Graças a Deus, formei uma cultura muito sólida, começando por Homero, Dante, Cervantes, Shakespeare. Tenho toda a minha formação feita por prazer, que continuo a cultivar, porque gosto de cultuar o espírito. 

PB – E a sua relação com a música?
Pitanguy – Ouço o tempo todo música clássica. Gosto muito de Mozart, de Bach, mas quando estou calmo também gosto de bossa nova. Da nossa música, prefiro o samba romântico, mais antigo, mais clássico. Não gosto de música eletrônica e adoro jazz, Billie Holiday, por exemplo. Tudo o que faço, se possível, faço com música. A música é penetrante, conferindo a você uma consistência maior. 

PB – Chico Xavier foi caseiro de sua família. Madame Satã foi seu guia em mergulhos e caçadas submarinas. Em uma entrevista, o senhor afirmou que “sempre teve curiosidade pelas pessoas mais simples”. O que o senhor quis dizer com isso exatamente?
Pitanguy – Eu gosto muito de pessoas. E acho que a cultura popular é uma forma riquíssima de cultura. O Chico Xavier já é uma cultura do além... [risos]. 

PB – O senhor se interessa por política?
Pitanguy – Sim, tenho grande interesse pela política. Como todo mineiro, sou alguém que observa muito. Porém, jamais seria um político porque, devido ao meu temperamento, não sou de fazer grandes concessões para aquilo em que não acredito. Sou muito franco, muito aberto, e isso forma um mau político.

PB – Existe alguma figura política que o senhor admira? Em quem votou nas últimas eleições?
Pitanguy – A figura política que mais admirei e com quem convivi muito foi Juscelino Kubitschek. Tinha por ele uma grande admiração, pelo entusiasmo que conseguia transmitir às pessoas. Poucas pessoas têm uma luz interna e são capazes de transmiti-la a outras. Nas eleições do ano passado, Aécio Neves fez uma campanha bonita. Porém, acho que a política atualmente no Brasil está vivendo um momento de muita fraqueza. Na verdade, estamos muito pobres em política. E essa pobreza está refletida na expressão de desgosto de parcela da população pela política, esperando que alguma coisa nova surja.

PB – Além de se dedicar ao trabalho, o senhor sempre teve uma vida muito ativa: pratica mergulho e é faixa preta de caratê, por exemplo. Como equilibrar tantos pratos ao mesmo tempo?
Pitanguy – Se você tiver curiosidade por muitas coisas, vai se enriquecer mais. Eu tive essa sorte. E continuo tendo. Sei, por exemplo, o que aconteceu na última luta de MMA [Mixed Martial Arts]; estou a par da classificação do futebol; acompanho a NBA [a liga de basquete norte-americana], e estou inteirado sobre os tempos da natação. Se você der a cada momento uma intensidade maior, sua vida será muito mais rica em anos e os momentos mais longos.
Revista Problemas Brasileiros

Paixão pelos sons do Brasil



CECILIA PRADA

Personalidade marcante, reconhecida há muito tempo no meio intelectual e musical de São Paulo em sua tripla condição de cantora, professora e escritora, Léa Vinocur Freitag resolveu apresentar, em 2012, por conta própria, uma terceira edição, revista e ampliada, de seu livro Momentos de Música Brasileira, lançado em 1985 e reeditado em 1986 pela Editora Nobel. É obra que alcança um público numeroso e variado – de pesquisadores universitários especializados em música ou em cultura geral a apreciadores e interessados em aprender mais sobre os vários aspectos da música brasileira, desde os seus primórdios. Ou, como diz Cremilda de Araújo Medina, jornalista e professora da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), Léa “fornece um trabalho ímpar na literatura musical de nosso país”, já que, por sua formação simultânea em música e em sociologia, “optou pela cosmovisão humanista e estendeu seu radar a um horizonte sem limites”.

De fato, à grande erudição de Léa Freitag e à seriedade de suas pesquisas somam-se os conhecimentos especializados da profissão, que também teve, de cantora, intérprete e divulgadora da música brasileira. Participante em concertos no Brasil e em vários pontos do exterior, ela é tida como artista sensível, dona de belíssima voz de soprano e capaz de acrescentar às suas apresentações palestras didáticas sobre especificidades da música brasileira de cunho nacionalista, da modinha e dos lundus do Brasil Colônia às formas mais contemporâneas. Sua paixão pelos temas que estuda parece inesgotável, e ela conta em seu currículo com mais de 300 artigos, críticas musicais e ensaios em revistas especializadas. É também membro titular da Academia Nacional de Música e recebeu várias comendas.

O livro atual contém a essência de duas teses defendidas por Léa Freitag na USP: a de doutoramento, “O Nacionalismo Musical no Brasil”, de 1972 – a primeira tese de sociologia da música elaborada no país –, e a de livre-docência, de 1977, “A Canção Brasileira Erudita e Semierudita como Expressão do Binômio Arte- -Sociedade”. É uma edição muito bem cuidada e revisada, que coincide com o lançamento do CD Modinhas Coloniais e Imperiais, com interpretações da autora.

No prefácio feito para a primeira edição da obra, o grande compositor e professor Camargo Guarnieri, dirigindo-se diretamente à autora, diz: “A partir de uma tese de doutoramento, que poderia restringir- -se aos parâmetros próprios da espécie, você, com sua fecunda curiosidade e desejo de melhor servir os leitores, aprofundou seus estudos e pesquisas sobre o importante tema da música brasileira. E o fez com a lucidez de um mestre”. E acrescenta que, baseando seus estudos nos melhores trabalhos de musicólogos, críticos, etnólogos, sociólogos, filósofos e historiadores, Léa prova que “a música brasileira existe como fato concreto, objetivo, que pode ser cientificamente comprovado pela experiência e registros de nossa história cultural”.

A primeira preocupação de Léa Freitag é a definição do nacionalismo à luz da sociologia e da história, estudado como fator preponderante na busca de uma linguagem própria para a música e para as outras manifestações artísticas da nacionalidade. Pois, como dizia Mário de Andrade – citado pela autora –, “uma arte nacional que não se faz com escolha discricionária e diletante de elementos de uma arte nacional já está feita na inconsciência do povo”.

A valorização da história da música legitimamente brasileira – demonstrada tanto pela autora como pelo maestro Camargo Guarnieri – evoca um debate bem antigo, que remonta aos primórdios de nosso modernismo, à Semana de Arte de 1922 e ao movimento antropofágico de Oswald de Andrade, com seus extremismos. Basta lembrar a indignação da pianista Guiomar Novaes, que, assustada com a ira iconoclasta dos “rapazes” promotores da Semana – da qual ela participara –, publicou um protesto nos jornais, anunciando sua ruptura com o movimento, pela intolerância demonstrada “em relação às demais escolas de música, das quais sou intérprete e admiradora”.

Completude

Fazendo convergir seu foco sobre essa questão, com pleno aproveitamento de sua formação acadêmica, Léa Freitag nos dá uma sensação geral de completude, de solidez de argumentação, de amplidão de informações que chegam a surpreender, considerando-se que a presente obra não contém senão pouco mais de 200 páginas. A despeito disso, como em um milagre, ela conseguiu condensar no volume suas duas teses e ainda apresentar biografias e críticas de vários artistas destacados, tanto no campo das canções como no da ópera e da música de câmara, bem como realçar a contribuição de eruditos professores. É o caso do maestro Furio Franceschini – figura de relevo na musicologia brasileira, principalmente por seu papel na formação de músicos – e de Ruy Coelho, que foi, para Léa, o grande professor de sociologia da arte da USP. Pela variedade temática dos artigos que a autora reuniu para completar seu livro – da ópera de Carlos Gomes a estudos de Verdi, de perfis de intérpretes a uma entrevista com Franco Zeffirelli quando de sua passagem pelo Rio de Janeiro em 1979 –, podemos ter uma ideia da extensão e da qualidade do material jornalístico que elaborou nos muitos anos em que fez crítica de música para os jornais “O Estado de S. Paulo” e “Jornal da Tarde”.

O CD Modinhas Coloniais e Imperiais, que ela define como “obra de juventude, com toda a espontaneidade e a esperança dessa fase da vida”, é um trabalho de paixão, que constitui reedição, com tecnologia atualizada, de um antigo LP seu, gravado em concerto de 1966. Nele, Léa é acompanhada ao piano por Maria do Carmo de Arruda Botelho, que se tornara famosa já na década de 1930 como pianista da cantora Vera Janacopulos e seus alunos em turnês pelo Brasil e em Paris.

O gênero da modinha tem sido registrado e estudado por muitos musicólogos, donde o valor inclusive documental do CD gravado por Léa. Na parte do Brasil Colônia, estão reunidas composições, com versos de Tomás Antônio Gonzaga feitos para sua amada Marília, extraídas do livro A Modinha e o Lundu no Século 18, de Mozart de Araújo. Quanto ao relevo que teve a modinha de salão, basta lembrar o que diz dela Mário de Andrade, que via sua ampla aceitação na corte e em outros círculos sociais, desde a segunda metade do século 18, como um vagalhão que dominou a musicalidade burguesa do Brasil e de Portugal, “inundando tudo, compositores, festas e impressores, só vindo o maremoto morrer aos nossos pés republicanos com os últimos dias do Segundo Império”.

Em plena atividade como professora titular da ECA, Léa até hoje é tida como uma especialista em “exumar partituras”. É o que diz Régis Duprat, professor titular de história da música da USP: “Inquieta, ela pesquisa para tirar do esquecimento autores e obras. [...] Léa contribui para transformar o ensino da música e as atividades universitárias, iluminando, com seu exemplo, pensamentos, atos e obras, o caminho da autêntica vida universitária”.
Revista Problemas Brasileiros

O distúrbio chamado dislexia


CEZAR MARTINS

Silêncio é uma palavra com alguns mistérios para a pequena Ana Beatriz Regonha. Tímida, a caçula de três irmãos conhece o significado do substantivo e o emprega com perfeição em qualquer história que vá contar, mas escrevê-lo na lousa seguindo o ditado da professora de português é uma tarefa complicadíssima para essa garota de 11 anos que cursa a quinta série do ensino fundamental. Frequentemente, ela é vitimada pelos ardis do idioma e, com a caneta na mão, sentencia: “Cilessio”. O problema da estudante, cujo nível intelectual é igual ao de seus colegas, assim como a alfabetização (concluída no prazo habitual), está ligado à dislexia, um transtorno de origem neurobiológica que dificulta a decodificação das letras, dos fonemas e a fluência na leitura e na escrita. Assim como ela, de acordo com dados da Associação Internacional de Dislexia (IDA, na sigla em inglês), cerca de 10% da população mundial tem esse distúrbio e boa parte ainda desconhece a razão de tantas dificuldades para ler e compreender um texto.

Esse, no entanto, não é propriamente o caso de Ana Beatriz, assistida desde os 6 anos por uma das muitas associações que dão apoio a jovens e adultos disléxicos no Brasil. Todas as terças-feiras, pela manhã, acompanhada da mãe, a menina participa de sessões de terapia em que, ao lado de outras crianças da mesma idade, pratica leitura, participa de jogos educativos e é estimulada por uma educadora a treinar a escrita para, lentamente, ir descobrindo meios de evitar seus erros mais comuns. A dislexia e a pressão para que tenha o mesmo aproveitamento dos outros alunos já não a assustam tanto. Ela diz que gosta mais das aulas de história e matemática, mas ainda enfrenta a resistência de alguns educadores reticentes quanto à necessidade de adaptar seus métodos de ensino e avaliação. “No começo do ano, tive de ir à escola para conversar com uma das professoras a fim de colocá-la a par da situação. Ela achava que o aproveitamento de minha filha em sua matéria, que podia ser bem melhor, decorria de falta de dedicação”, relata a mãe de Ana Beatriz. “Hoje eu compreendo melhor suas dificuldades e sofro menos”, conclui.

Embora a dislexia esteja catalogada na Classificação Internacional de Doenças, publicada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), os especialistas preferem chamá-la de distúrbio de aprendizagem. A perturbação é causada pela inabilidade do lado esquerdo do cérebro em reconhecer automaticamente letras e sílabas escritas, relacioná-las ao som produzido pela fala e transformar esse conjunto em um repertório de palavras que serão úteis em leituras futuras e na produção textual. “É um transtorno de base neurológica, uma disfunção específica da área da linguagem”, explica a psicopedagoga Tânia Freitas, diretora da Associação Brasileira de Dislexia (ABD). Segundo ela, o indivíduo geralmente tem ótimas noções de espacialidade e de proporcionalidade e se expressa bem verbalmente, mas talvez tenha um vocabulário reduzido. “É aquela pessoa que dá voltas e voltas para contar uma história, algumas vezes não entende piadas, confunde as letras quando escreve e lê sem fluência”, diz.

Evidências científicas indicam que o distúrbio tem origem genética, é hereditário e não há cura completa para ele nem remédios capazes de colocar um fim no problema. A única saída é o acompanhamento constante por fonoaudiólogos, psicólogos e neurologistas especializados, por um longo período, até que o aluno aprenda a driblar suas dificuldades. Além disso, é extremamente recomendável que professores e pais participem da alfabetização, oferecendo instrumentos visuais e auditivos mais eficientes para os disléxicos. “O mundo é letrado e toda criança normal entra na escola com vontade de aprender a ler e a escrever. Ninguém quer ficar para trás, ser alvo de gozações, e esse problema pode ter consequências graves no futuro”, observa Tânia. De acordo com a psicopedagoga, que é especialista no tratamento de adolescentes e adultos, dependendo da extensão do trauma a que são submetidos por causa do distúrbio, há casos de disléxicos que se tornam dependentes químicos.

Projeto de lei

Em alguns países, como a Inglaterra e os Estados Unidos, o assunto é debatido amplamente e há políticas públicas que pregam maior atenção aos alunos com esse tipo de dificuldade; no Brasil, todavia, a dislexia ainda costuma passar longe dos despachos das autoridades estaduais e municipais e também dos ministérios que deveriam se preocupar com o tema. Enquanto isso, organizações não governamentais, como a ABD e o Instituto ABCD – que presta o atendimento gratuito a Ana Beatriz e a outras crianças – tentam contribuir com o diagnóstico e a capacitação de professores para a identificação, nas salas de aula, de alunos com sintomas do distúrbio. “A ideia não é levar o educador a fazer o diagnóstico, mas torná-lo informado e esclarecido sobre a questão”, diz Mônica Andrade Weinstein, diretora presidente do Instituto ABCD.

O fato de existirem outras entidades assistenciais em Brasília, Curitiba, Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul mostra que, a despeito da distância oficial, o tema faz parte das preocupações da sociedade civil, exigindo, portanto, maior atenção do Estado. Segundo Mônica, o problema diz respeito às secretarias de saúde, da educação e do desenvolvimento social. “A articulação de programas que envolvam essas três áreas é uma das maiores dificuldades que enfrentamos, devido a questões burocráticas e políticas, quando procuramos tratar do assunto com os governos municipais. Contudo, quando a integração ocorre, o resultado é muito satisfatório”, explica.

Um projeto de lei de 2010, ainda em discussão na Câmara dos Deputados, defende a criação, pelo poder público, de programas de diagnóstico e tratamento da dislexia para estudantes da educação básica, por meio de equipes de profissionais das áreas médica, educacional e psicopedagógica – além de tornar obrigatório que as escolas assegurem aos alunos recursos didáticos mais adequados a sua aprendizagem. A proposta, contudo, encontra resistência em diversas instituições e no próprio governo federal, tendo gerado uma polêmica em torno até mesmo das evidências da existência da disfunção. Relatório da deputada federal Mara Gabrilli (PSDB), na Comissão de Educação e Cultura, favorável à aprovação da lei, cita o Conselho Federal de Psicologia (CFP) como um dos líderes do movimento que “nega a própria dislexia”. Segundo Marilene Proença, representante do CFP, a questão a ser observada é a baixa qualidade do sistema educacional brasileiro. “A escola não atingiu níveis minimamente apropriados no Brasil. A preocupação do Conselho Federal de Psicologia é que as dificuldades de alfabetização são resultado de falhas na formação dos professores, de grades curriculares mal preparadas e de outros problemas. Estamos atribuindo às crianças a culpa por não saberem ler e escrever, mas oferecemos uma escola muito abaixo do que elas precisam”, avalia.

Outro receio se relaciona ao uso abusivo de medicamentos, devido ao que os estudiosos chamam de comorbidades da dislexia. Geralmente, um disléxico costuma apresentar, ao mesmo tempo, outros tipos de distúrbios. Um dos mais comuns é o transtorno de déficit de atenção com hiperatividade, conhecido pela sigla TDAH. Seus sintomas são a incapacidade de concentração por um longo período em determinada atividade, inquietude e impulsividade e, embora seja reconhecido pela OMS, há também estudiosos que tratam o assunto apenas como mito. De qualquer maneira, quando o TDAH é diagnosticado, uma das soluções é a prescrição de um estimulante do sistema nervoso central de largo consumo. O Brasil é o segundo país que mais utiliza a droga, que é de uso controlado, segundo pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, e a administração a crianças, na opinião de Marilene, deveria ser evitada por causa dos efeitos colaterais. “O aluno que costuma correr pela sala toma essa pílula e fica quieto. Mas o custo disso é altíssimo. Ela inibe, por exemplo, o apetite de crianças em fase de crescimento”, relata. Já os defensores do projeto de lei alegam que, como a medicação só pode ser indicada por neurologistas, sua utilização ainda estaria sob parâmetros seguros.

Para tentar sensibilizar os governantes e outros setores da sociedade para a importância do tratamento da dislexia, o Instituto ABCD lançou, em outubro de 2012, uma campanha batizada de “Eu Posso!”, cuja divulgação ganhou o apoio de diversos artistas que aceitaram tirar fotos com a camiseta criada pela entidade. É muito pouco para resolver a questão de vez, mas a fama do cantor e ex-ministro Gilberto Gil, da ex-jogadora de basquete Hortência e de outras celebridades contribuiu para colocar o tema em destaque nos principais veículos de comunicação, mesmo que por alguns dias. “Em outros países, o estigma da dislexia já foi vencido. No Brasil, infelizmente, o portador do distúrbio ainda tem receio de falar sobre ele em público”, lastima Mônica Weinstein.

Diagnóstico

Originada do grego, é bem possível que a palavra “dislexia” tenha sido utilizada pela primeira vez por um oftalmologista alemão, Rudolf Berlin, no final do século 19, quando estudava o caso de um jovem que tinha visão e nível intelectual normais, mas apresentava dificuldades de leitura e escrita. Já naquela época acreditava-se que a falha decorria de causas biológicas e era influenciada por fatores hereditários, mas pouco se sabia sobre as funções cerebrais responsáveis pela decodificação dos sinais escritos, conhecimento que se tornou maior e mais difundido apenas nas últimas décadas. Atualmente, imagens captadas por aparelhos de ressonância magnética indicam que as áreas ativadas no cérebro de um disléxico, quando colocado diante de um texto, são diferentes das de um indivíduo que não apresenta o transtorno.

Apesar de todos os avanços científicos e tecnológicos, o diagnóstico da dislexia não é simples e seu custo pode ser muito elevado para as famílias, em especial as de baixa renda. Ele é realizado clinicamente por uma equipe de profissionais de diferentes especialidades – psicopedagogos, fonoaudiólogos e neuropsicólogos – e pelo método de exclusão. Isso significa que uma criança com sintomas do distúrbio necessita passar por uma série de exames físicos para descartar qualquer outro tipo de moléstia capaz de afetar a alfabetização, além de ter seu histórico escolar e familiar esmiuçado para comprovar que tem recebido todos os estímulos fundamentais para o bom desempenho em sala de aula. Outra ressalva importante que os especialistas fazem é que nenhum aluno deve ser diagnosticado como disléxico até que tenha atingido a plena maturidade cerebral e emocional para ser alfabetizado, o que só costuma acontecer a partir dos 10 anos. Antes disso, é comum a ocorrência de trocas de letras e erros ortográficos. Mesmo assim, os professores devem estar atentos aos casos de aparecimento inesperado de dificuldades na aprendizagem – nessas situações as crianças são classificadas como “de risco” e já podem começar a receber acompanhamento adequado para evitar dores de cabeça futuras.

Na prática, medidas simples capazes de estimular o aprendizado por caminhos menos tradicionais, educadores mais bem informados e escolas que atuam com profissionais especializados mostram que a evolução escolar de alunos disléxicos pode ser tão satisfatória quanto a do restante da sala. “Trabalho, anualmente, com 600 alunos e é normal que de seis a oito deles sejam diagnosticados como disléxicos”, conta Fernanda Rissi, coordenadora de ensino fundamental do Colégio Dominante, escola particular de São Paulo. Ela diz que essas crianças passam por um sistema de avaliação diferente, ficam mais perto, na sala de aula, dos professores – que já estão mais conscientes sobre o problema – e têm a garantia de que as orientações dadas pelas psicopedagogas que fazem o acompanhamento serão consideradas.

“É importante trabalhar a confiança da criança com dislexia”, ressalta Fernanda. “Um de nossos primeiros alunos portadores do distúrbio terminou a faculdade de física, na Universidade de São Paulo (USP), e o pai nos mandou um e-mail para agradecer o apoio dado ao filho”, relata. O exemplo bem-sucedido, contudo, ainda é exceção entre os alunos brasileiros. O mais comum, segundo alerta Tânia Freitas, da ABD, é as crianças excluídas do processo educacional se tornarem jovens desinteressados pelas aulas, com baixa autoestima, podendo até mesmo, em casos extremos, abandonar os estudos. Na fase adulta, se tiverem a chance de descobrir as razões de suas dificuldades, sua trajetória pessoal e profissional já estará marcada por fracassos inexplicáveis e crises familiares severas, e terão um árduo caminho a percorrer na tentativa de reescrever, agora de forma certa, sua história.

Inventores e artistas

A despeito das dificuldades cotidianas para entender fonemas e ler fluentemente, os disléxicos possuem o hemisfério direito do cérebro bastante desenvolvido e costumam se adaptar bem a tarefas que envolvam criatividade. Talvez por isso exista uma lista extensa de atores, esportistas, músicos, pintores e gênios da ciência portadores do transtorno que, após superar as agruras da infância e da adolescência, conseguiram ser reconhecidos por suas virtudes na vida adulta. A lista é extensa, podendo ser citados Thomas Edison, inventor da lâmpada, Walt Disney, criador dos desenhos animados, e, na atualidade, estrelas de Hollywood, como Tom Cruise e Whoopi Goldberg, que costumam decorar os roteiros de filmes com a ajuda de gravadores.

Cruise acredita ter sido curado após aderir à cientologia (seita que mistura a psicoterapia com ensinamentos do hinduísmo, budismo e cristianismo), mas Whoopi, que ganhou um Oscar por sua atuação no filme Ghost e não se furta a abordar o transtorno com a imprensa, admite que teve problemas para esquecer as críticas de professores e colegas que não compreendiam seu baixo rendimento escolar. “Para um jovem, o efeito das palavras ‘estúpido’ e ‘burro’ é devastador”, diz.

Nascido na Alemanha e naturalizado suíço, o cientista Albert Einstein, ganhador do Prêmio Nobel em 1921 e considerado o maior responsável pela revolução nos conceitos modernos da física, começou a falar tardiamente e só teria sido alfabetizado aos 9 anos de idade, mas não há a certeza de que realmente sofresse do distúrbio. Sobre a escritora inglesa Agatha Christie, que morreu em 1976 e se destacou como autora de livros do gênero policial, paira a mesma dúvida. O fato de boa parte de suas histórias ter sido ditada a sua secretária faz os especialistas suporem que a “Rainha do Crime” tenha sido portadora do transtorno.

Já o escocês Jackie Stewart, tricampeão mundial de Fórmula 1, tomou ciência de que era disléxico quando um de seus filhos foi diagnosticado com a doença. Ele conta, em suas memórias, que ficava envergonhado quando a professora o convocava para fazer leitura em voz alta. “Olhava para a página e não enxergava nada além de uma massa de letras indecifráveis. Todos me tinham como um garoto pequeno e atrevido, com um brilho nos olhos, mas, naqueles momentos, minha fina camada de confiança era simplesmente arrancada.” Motivo de chacota na escola, o ex-corredor chegou a ser agredido por outros alunos quando tinha 14 anos. Adulto, interessou-se pela mecânica de automóveis, algo em que já se destacava e que o levaria para as pistas de corrida. Outro piloto disléxico, mas ainda em atividade, o inglês Justin Wilson tornou-se embaixador da Associação Internacional de Dislexia, com sede nos Estados Unidos.
Revista Problemas Brasileiros

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Massa oculta da Via Láctea é parcialmente encontrada


David Nidever et al., NRAO/AUI/NSF e Meilinger, Levantamento Leiden-Argentine-Bonn, Observatório Parkes, Observatório Westerbork, Observatório Arecibo / Amanda Montañez

À medida que a Grande e a Pequena Nuvem de Magalhães orbitam a Via Láctea, e uma à outra, elas liberam seu gás (mostrado em rosa) no halo de nossa galáxia

Um satélite galáctico revela onde parte do fugidio material de nossa galáxia se esconde

Ken Croswell

Galáxias gigantes como a Via Láctea e Andrômeda consistem principalmente da exótica matéria escura. Mas até o substrato comum da primeira ainda é um enigma, já que sua maior parte está desaparecida e continua sem ser descoberta por cientistas. Agora, porém, astrônomos fizeram uma estimativa da quantidade de gás que cerca o brilhante disco da Via Láctea ao observarem uma galáxia atravessando sua periferia, e constataram que esse material supera todo o gás e poeira interestelar de sua região.

Medições da radiação cósmica de fundodeixada pelo Big Bang indicam que um sexto de toda a matéria no Universo é comum, ou bariônica, contendo prótons e nêutrons (ou “bárions” no jargão dos físicos), assim como ocorre com estrelas, planetas e humanos. Com base no movimento de objetos distantes que orbitam a Via Láctea, astrônomos estimam que nossa galáxia seria aproximadamente um trilhão de vezes mais massiva que o Sol. Se cinco sextos desse material são matéria escura, então essa substância exótica compõe 830 bilhões de massas solares de nossa galáxia; a matéria bariônica deve explicar os 170 bilhões restantes. 

O problema é que todas as estrelas e a matéria interestelar conhecidas de nossa galáxia somam apenas cerca de 60 bilhões de massas solares: 50 bilhões em estrelas e 10 bilhões em gás e poeira interestelar. (A Via Láctea tem mais de 100 bilhões de estrelas, mas a maioria delas é menor que o Sol.) Isso deixa colossais 110 bilhões de massas solares de material comum inexplicáveis, desaparecidos. Se a Via Láctea for ainda mais massiva do que se calcula atualmente, esse problema bariônico se agrava. E outras galáxias gigantes apresentam o mesmo mistério.

Onde estão os bárions que faltam? Talvez em um difuso halo gasoso ao redor da Via Láctea. Satélites de raios-X detectaram átomos de oxigênio em nossa galáxia que perderam a maior parte de seus oito elétrons, um sinal de que eles habitam um gás de milhões de graus de temperatura; muito mais quente que a superfície do Sol. Mas como não sabemos a que distância esses átomos de oxigênio “fritos” estão de nós, não podemos avaliar com precisão o tamanho desse componente galáctico. Se estiverem relativamente perto do disco, então esse chamado meio circungaláctico não é vasto, extensivo, e, portanto, não tem grande importância. Mas se estiverem muito distantes, espalhados por um halo gigantesco, esse material gasoso poderia superar todas as estrelas da galáxia, fornecendo combustível para a formação estelar por bilhões de anos vindouros.


Felizmente, para astrônomos, a Via Láctea é tão imensa que governa um séquito de galáxias menores que giram em torno dela, assim como luas orbitam um planeta. A mais esplêndida galáxia satélite é a Grande Nuvem de Magalhães, que brilha a 160 mil anos-luz da Terra. Como todos os outros satélites galácticos, ela se move ao redor da Via Láctea, mas ao contrário da maioria de seus iguais, está repleta de gás, que é ejetado à medida que ele mesmo se choca violentamente com o gás do halo. A quantidade de gás perdido depende da velocidade com que nosso vizinho se move e da densidade do gás do halo. E com essa densidade pode-se calcular a estimativa correspondente de massa.

Recentemente, o Telescópio Espacial Hubble mediu a velocidade da galáxia. Isso permitiu que os astrônomos Munier Salem, da Universidade Columbia, Gurtina Besla da Universidade do Arizona, e seus colegas estudassem o gás ejetado, ou perdido, e estimassem que a densidade de gás no halo da Via Láctea, perto da Grande Nuvem de Magalhães, é de 0,0001 átomo por centímetro cúbico. Isso não é muito — somente cerca de 10 mil vezes mais tênue que o gás interestelar no disco da Via Láctea — mas o halo cobre uma área muito grande. Em pesquisas apresentadas para publicação no periódico The Astrophysical Journal, astrônomos presumem que a densidade do gás diminui à medida que se distancia do centro da Via Láctea, e calculam que ele equivale a 26 bilhões de massas solares, ou quase a metade da quantidade contida em todas as estrelas da Via Láctea. Matthew Miller, estudante de graduação na Universidade de Michigan, que está concluindo sua dissertação sobre o meio circungaláctico, afirma que esse número corresponde a estimativas anteriores, mas está baseado em uma mediçãomais direta da densidade.

Ainda assim, a recém-calculada massa de gás do halo constitui apenas 15% do esperado conteúdo bariônico da Via Láctea. De acordo com Besla, a verdadeira quantidade de gás do halo provavelmente é maior, porque sua densidade pode diminuir menos com a distância do que previsto pelo modelo padrão. Miller suspeita que os bárions desaparecidos possam estar completamente ausentes da Via Láctea, sem jamais terem caído em nossa galáxia com a matéria escura; nesse caso, eles estariam à deriva no vasto espaço entre galáxias gigantes.

Besla prevê que futuros trabalhos poderão produzir uma medição mais precisa. Outra galáxia rica em gás, a Pequena Nuvem de Magalhães, a 200 mil anos-luz da Terra, orbita a Grande Nuvem de Magalhães. A dança das duas lançou gás em um imenso fluxo de mais de meio milhão de anos-luz de extensão. A maior parte desse chamado Fluxo de Magalhães se estende além da Grande Nuvem de Magalhães e, portanto, a densidade do gás do halo deveria ser sondada em outro lugar, restringindo ainda mais a massa do meio circungalácticio, pondera Besla.

De fato, astrônomos aqui na Terra têm sorte: eles habitam uma das poucas galáxias gigantes que têm a vantagem de ter duas galáxias satélite ricas em gás próximas. “É incrível quanta informação esse sistema nos fornece”, comemora Besla. Comparativamente, todos os satélites que orbitam uma galáxia gigantemais típica não têm mais gás, e quaisquer astrônomos ali podem olhar com silenciosa inveja para seus iguais na Via Láctea.

Scientific American Brasil

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

O futuro de ‘O Diário de Anne Frank’ e a lição de domínio público de ‘O Pequeno Príncipe’

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MARIA FERNANDA RODRIGUES


Para alguns, o diário de Anne Frank entra em domínio público em janeiro de 2016. Outros acreditam que será preciso esperar até os anos 2050 para ver várias edições da obra nas livrarias


De tempos em tempos, a questão dos direitos autorais de O Diário de Anne Frank, um dos maiores best-sellers de todos os tempos, volta ao debate. Temos a ideia de que a obra que escontramos nas livrarias, escrita pela garota no esconderijo em que ela viveu com a família e amigos, é tal qual seu diário. Mas as páginas daquele famoso caderno xadrez que ela ganhou no aniversário de 13 anos logo foram preenchidas e ela foi escrevendo em outros cadernos e em folhas avulsas que ia conseguindo.

Então, ao recuperar o pacote com os escritos da filha, morta no campo de concentração de Bergen-Belsen, em 1945, Otto Frank tratou de organizar esses registros para então transformar o diário em livro. Páginas podem ter ficado fora da edição. Outras podem ter sido incluídas.

Otto distribuiu o legado de Anne entre duas fundações, que ele criou ou ajudou a criar. A Fundação Casa de Anne Frank, de Amsterdã, se tornou um museu obrigatório e, portanto, sempre lotado, na cidade. A da Suíça ficou com os direitos do diário publicado por Otto com a condição, imposta por ele, de que o dinheiro ganho seria doado para instituições como a Unesco. As vendas nunca diminuíram, já que sua leitura também é obrigatória. As duas nunca se entenderam, e sempre quiseram mais do que já tinham.

Na edição que circula e que já ganhou mais de 160 traduções, está gravado que os direitos pertencem a Otto, e não a Anne. E o que todos esperavam – que a obra entrasse em domínio público no dia 1.º de janeiro – talvez não se concretize. Se ele é o detentor dos direitos e se ele morreu em 1980 vão aí mais uns bons anos até queO Diário de Anne Frank possa ser publicado por quem bem entender.


“Se seguirmos o argumento (da fundação suíça), isso significa que, por anos, eles mentiram sobre o fato de que o diário foi escrito apenas por Anne”, disse Agnès Tricoire, advogada especializada em propriedade intelectual, ao New York Times.

Há pelo menos cinco anos, a Fundação Casa de Anne Frank trabalha, com historiadores e pesquisadores, para criar uma versão on-line da obra, que ela pretendia publicar, também em papel, em 2016.

No Brasil, O Diário de Anne Frank é publicado pela Record e já vendeu, ao longo dos anos, mais de 400 mil exemplares. A editora brasileira também espera que tudo permaneça como está até 2051, quando a obra, segundo alguns argumentos, entrará em domínio público.

Se a briga for por dinheiro, O Pequeno Príncipe tem uma lição a dar.

A famosa obra de Saint-Exupéry caiu em domínio público este ano em diversos países (ironicamente, não na França). Dezenas de novos títulos chegaram às livrarias brasileiras por editoras variadas, e todos estão vendendo como pão quente.

Se em 2014, último ano do reinado da Agir, que lançou a obra aqui em 1952, foram comercializados, segundo a Nielsen, 140 mil exemplares, os números serão muito melhores este ano. Só no primeiro semestre, a obra somava 152 mil cópias vendidas – e a Agir seguia na liderança.

A ver quais serão as cenas dos próximos capítulos.
Jornal O Estado de S. Paulo

Os longos tentáculos do EI


Gilles Lapouge

É preciso saber como a diplomacia não aproveitou a presença em Paris, na conferência sobre o clima, de dezenas de dirigentes mundiais, centenas de ministros e milhares de conselheiros para buscar, rapidamente, entre três discursos e nove coquetéis, uma solução para o pesadelo do mundo: o Estado Islâmico, instalado no norte do Iraque e da Síria.

Nenhum resultado. Embora exista uma unanimidade (quase) contra o EI e suas carnificinas, em compensação, nenhuma estratégia comum foi obtida entre os diferentes Estados inimigos do grupo. Os EUA, que detestam o Estado Islâmico, fazem de tudo para não atacar o grupo com forças terrestres. Além disso, para Obama o EI não é o único inimigo. E ele estabelece como condição a saída do atual presidente, Bashar Assad.

A Rússia faz uma análise contrária: também não aprecia o EI, mas quer manter Assad a qualquer preço no seu trono em Damasco. A França é uma incógnita. Durante longo tempo, o país caminhou lado a lado com os EUA. A prioridade, dizia o presidente francês, é a saída do “açougueiro” Assad. Mas, depois dos atentados do dia 13, em Paris, o Quai d’Orsay cambaleia. Sua prioridade agora é a eliminação do EI. E quanto a Assad? Bem, ele continua sendo detestado, mas no momento o “inimigo principal” é o EI.

O problema da França é que seus diplomatas são muito bem formados e, portanto, flexíveis. Anteriormente, o país aderiu plenamente aos EUA. Ontem, se aproximava de Putin e hoje se afasta dele. Esperemos que Hollande tenha, enfim, refletido e seja encontrado um equilíbrio, de um lado e outro.

E o EI? A organização jihadista parece um pouco enfraquecida em razão dos ataques aéreos de EUA, da França, e talvez amanhã, da Grã-Bretanha. O EI sofre porque suas receitas petrolíferas vêm caindo, em razão dos bombardeios e da queda dos preços mundiais do petróleo. Mas o grupo continua poderoso. Sai cada vez mais dos seus refúgios na Síria e no Iraque. E está perto de colocar sua pata ensanguentada em um outro território, a Líbia, país à deriva desde que a Otan matou estupidamente, em outubro de 2011, o ditador Muamar Kadafi.

A proeza da Otan teve um efeito imediato: anarquia irremediável. A Líbia possui hoje dois governos, um em Trípoli, antiga capital, e outro em Beida. O EI, que adora a anarquia nos países que cobiça, expediu para a Líbia milícias que capturaram uma terceira cidade, Sirte. Essa cidade, que possuía 70 mil habitantes, hoje está vazia. Restam somente 10 mil. Todos fugiram do terror jihadista. Hoje, a cidade está nas mãos dos 2 mil combatentes do EI.

Sirte é somente o centro de uma metástase bem mais vasta. Os jihadistas já controlam uma longa faixa de costa de 200 quilômetros, que penetra no deserto e possui um porto, um aeroporto e uma central elétrica. Os bandos de assassinos são ativos: em 27 de janeiro foi atacado um grande hotel em Tripoli: nove mortos. Em 15 de fevereiro, assassinato de 20 cooptas (cristãos) do Egito perto de Sirte. Em março, quatro campos de petróleo da francesa Total foram saqueados. Em 20 de fevereiro, explosão de dois carros em al-Qaba: 30 mortos.

Na quarta-feira, o primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, declarou que “é fundamental que seja dada prioridade à Líbia, que corre o risco de se tornar o próximo problema urgente”. A Líbia está a 750 quilômetros da costa italiana. E está a 550 quilômetros da ilha de Malta, que faz parte da União Europeia. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

GILLES LAPOUGE É CORRESPONDENTE EM PARIS
Jornal O Estado de S. Paulo

Designers podem melhorar o atendimento à saúde para todos

Profissionais são capazes de propor soluções inovadoras para atender necessidades de pacientes e cuidadores


Designers criam experiências que funcionam com humanos, não apesar deles.

Por Samantha Dempsey, em Blog para Convidados, Scientific American

O último lugar onde alguém espera encontrar um designer é em um quarto de hospital, uma clínica ou em uma sala de cirurgia, mas esses são exatamente os espaços em que me insiro.

Meu primeiro passo rumo a esse universo ocupacional ocorreu quando produzi catorze pinturas de microrganismos que exploravam a relação entre desenvolvimento humano e doenças.

À época, eu cursava o segundo ano na Rhode Island School of Design com especialização em ilustração; mas mesmo em uma escola de arte, fazer pinturas sobre doenças era considerado estranho.

Cada quadro retratava um microrganismo diferente que tinha mudado o curso do desenvolvimento humano: peste bubônica, tuberculose e varíola, para citar alguns dos meus favoritos.

Foi só depois que a tinta secou e minha turma tinha dado seu feedback é que percebi que faltava alguma coisa.

Analisando as pinturas penduradas na parede, me dei conta de que, por mais forte que fosse meu sentimento em relação aos quadros, independente de quanta pesquisa e reflexão eu tinha dedicado a cada um deles, aquelas imagens não mudariam o relacionamento de ninguém com doenças.

Tudo o que elas faziam era descrever saúde e ciência que já existiam. Como designer, eu sabia que poderia fazer mais.

Esse “estalo” foi há quatro anos e marcou o ponto em que parei de me sentir satisfeita com os domínios tradicionais, onde a maioria das pessoas julga existir arte e design: lugares como editoras, empresas de publicidade, museus e galerias.

Agora sou uma “designer de experiências”, uma definição que normalmente é saudada com olhares vazios, de incompreensão, quando me apresento em festas ou coquetéis.

Combino pesquisas, metodologias de design e colaboração clínica para reinventar o modo como pessoas interagem com cuidados para a saúde. Isso pode ser qualquer coisa, desde a criação de ferramentas visuais que melhoram o diálogo entre pacientes e médicos até desenvolver experiências digitais que permitem que pacientes concluam exames de fisioterapia sem sair de suas casas.

Nada é mais importante em cuidados para a saúde que criar interações eficientes, contínuas e (por que não?) agradáveis entre humanos e sistemas.

O mundo do atendimento à saúde ainda é 90% humano. Enfermeiros, médicos, profissionais de saúde e pacientes são apenas algumas das pessoas que compõem esse enorme sistema vivo e pulsante.

Esses usuários precisam de sistemas que podem ser “navegados” suavemente, sem percalços, mesmo quando eles cometem erros, permitem que as emoções afetem suas decisões, e agem de maneiras contrárias aos seus melhores interesses (alguém quer um cigarro?).

O sistema de saúde precisa trabalhar para pessoas reais, não robôs. Designers entendem as diferenças entre os dois e podem criar experiências que funcionamcom humanos, não apesar deles.

Essa compreensão é importante quando se projetam ferramentas para médicos, mas ela é igualmente importante quando se cria algo para os pacientes.

De que adianta fazer uma gastroplastia redutora [também chamada cirurgia de bypass gástrico] em uma pessoa que estará voltando para uma casa fartamente estocada com salgadinhos e batatas chips, e uma família que não sabe como apoiar escolhas alimentares saudáveis?

Em vez de simplesmente tratar os resultados de maus hábitos, o design nos permite criar interações que sistematicamente motivam as pessoas a fazer mudanças sustentáveis em suas próprias vidas.

Podemos projetar intervenções que não visam apenas o corpo físico, mas também a mente, a situação social, o meio ambiente e a motivação interna que impulsionam mudanças comportamentais.

Design nos permite entender como cuidados de saúde se encaixam na vida de um paciente, em vez de simplesmente entender como aquela vida se encaixa em nosso sistema de saúde.

Os próprios alicerces de clínicas e hospitais estão começando a se esfacelar.

A noção de saúde como uma atividade especializada, supervisionada por uma autoridade entendida, não existe mais. Pacientes interagem diariamente com ferramentas de saúde e bem-estar em seus lares, assim como no ambiente controlado da clínica.

“Fitbits” [dispositivos e sensores de monitoramento de atividades físicas produzidos pela empresa Fitbit Inc, com sede em São Francisco, na Califórnia], telemedicina, despertadores que se sincronizam com padrões de sono, balanças que se comunicam com telefones, e aplicativos que monitoram dosagens de medicamentos tornaram-se parte de nossas vidas cotidianas.

Designers trazem consigo um profundo conhecimento de usabilidade e a capacidade de realizar pesquisas sobre ela, o que faz com que esses produtos sejam fáceis e agradáveis de usar.

Esses problemas emergentes na área da saúde exigem que superemos as tradicionais barreiras interdisciplinares. Quando todo nosso sistema está desconectado e não mais centrado no paciente, não podemos mais contar com especialistas individuais para corrigir o problema.

Designers são pontes entre os diferentes tipos de pessoas com um interesse em nosso sistema de saúde: pacientes, médicos, engenheiros e empresários.

Design é interdisciplinar por natureza, e os designers procuram entender e incorporar esses diferentes pontos de vista, conduzindo diversas entrevistas com os interessados ao longo de todo o processo de design, ou desenvolvimento.

Esse raciocínio e colaboração interdisciplinar é o ingrediente secreto necessário para a inovação.

Designers têm inovado discretamente na área de atendimento e cuidados com a saúde há anos, mas recentemente suas vozes têm se tornado mais audíveis.

Poucos, como Aidan Petrie, cofundador da Ximedica, se concentram nas necessidades dos clínicos ao projetarem dispositivos médicos como o sistema cirúrgico robótico SPORT, que reduz a carga de trabalho cognitivo do médico e aumenta a segurança do paciente durante procedimentos cirúrgicos complexos.

Outros, como Kim Goodman, vice-presidente de experiência do usuário na PatientsLikeMe, respondem às necessidades de pacientes ao criarem plataformas que permitem que pessoas com doenças que alteram suas vidas aprendam umas com as outras, enquanto também geram dados acessíveis a pesquisas sobre curas.

Nick Jehlen, sócio e diretor criativo na The Mill Ação, executa designs para cuidadores ao criar jogos que estimulam e facilitam conversas sobre cuidados de fim de vida no seio da família.

Christian Richard da Philips está trabalhando em um verdadeiro desafio: desfibriladores acessíveis ao público, que poderiam ser usados por qualquer pessoa durante uma situação cardíaca de emergência.

E, quando trabalhava como designer de serviços no Centro de Inovação da Clínica Mayo, Krissa Ryan conseguiu reduzir em 40% o número de internações em unidades específicas de diálise ao alinhar objetivos clínicos e de pacientes por meio de personagens baseados em entrevistas.

Na Mad* Pow, faço parte da equipe de mudança de comportamento onde trabalho com o renomado designer Dustin DiTommaso para mesclar ciência comportamental, game design e narrativa de histórias em um novo tipo de experiência de cuidados com a saúde.

Criamos experiências empáticas que ajudam pacientes a encontrar a motivação necessária para adotarem mudanças positivas de comportamento.

Recentemente, projetamos uma ferramenta digital que aumenta a autonomia e competência de pacientes com doença cardíaca crônica ao orientá-los por uma série de interações digitais.

O primeiro passo dessas interações é educar pacientes sobre sua condição, depois usá-las para conectá-los com recursos que os ajudam a lidar com isso. Por fim, elas têm por objetivo incentivar esses pacientes a tutorar outros recém-diagnosticados.

Embora Dustin e eu tenhamos formações muito diferentes, somos atraídos para o atendimento à saúde pela mesma razão: queremos empregar design para melhorar a vida das pessoas.

Em um ou outro momento da vida, todos nós seremos pacientes. Sei que quando eu acabar em um leito hospitalar, vou querer um médico que entenda que tomarei decisões melhores se eu estiver usando minhas roupas cotidianas, normais, do que se eu estiver seminua em um jaleco de hospital.

E vou querer uma equipe de cuidadores que saiba que os alimentos em minha geladeira merecem tanta atenção quanto as receitas que estão em meu gabinete de remédios. E vou querer um sistema que reconheça que minhas necessidades e as da minha equipe de atendimento não são opostas, mas parte de um sistema humano mais abrangente, concebido para fornecer apoio aos dois lados.

Portanto, se continuarmos a incorporar designers ao nosso sistema de saúde, esse futuro pode não estar tão distante.

Sobre a autora: Samantha Dempsey é uma designer de experiência na Mad*Pow e recentemente graduada pela Rhode Island School of Design. Como fellowno Centro de Inovação da Clínica Mayo, ela realizou uma pesquisa sobre visualizar narrativas de pacientes e criou ferramentas para ajudar médicos a se comunicarem melhor com os doentes. Sua formação anterior em ilustração tempera sua abordagem de design de experiência à medida que ela incorpora fluxo narrativo, narração visual de histórias e arte sequencial em seu trabalho. Siga-a no Twitter em @samanthademps.

Scientific American Brasil

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Plutônio do Projeto Manhattan recuperado por cientistas


Assinaturas radioativas identificam uma das primeiras peças de plutônio vistas por olhos humanos

Shutterstock
Explosão atômica 

Andy Extance

“Fat Man”, a bomba atômica lançada pelos Estados Unidos contra Nagasaki, em 1945, carregava cerca de 6,2 quilogramas de plutônio enriquecido, mais ou menos do tamanho de uma bola de tênis. A origem daquela mortífera esfera de metal pode ser rastreada através de uma pequena amostra com menos de três milionésimos de grama, criada nos laboratórios dos pesquisadores do Projeto Manhattan.

Esse é um fragmento histórico, representando tanto uma incrível conquista científica quanto uma profunda tragédia – uma única bomba matou e feriu pelo menos 64 mil pessoas (as estimativas variam) além de ter acelerado a rendição japonesa. Em 2007, porém, essa amostra histórica, o primeiro plutônio visto por pesquisadores, desapareceu dos olhos do público.

Agora ela reapareceu em uma caixa plástica em uma sala de segurança sem janelas na Instalação de Materiais Perigosos da University of California, Berkeley.

A pequena amostra, derivada da descoberta original que rendeu o Prêmio Nobel de Química a Glenn Seaborg, estava acompanhada apenas de documentos limitados sobre suas origens. Mas uma equipe de Berkeley encontrou assinaturas radioativas indicando que esse plutônio realmente vem do Projeto Manhattan. Eles publicaram suas descobertas no servidor de preprints de física, arXiv, em 24 de dezembro, e agora estão tentando devolver esse pedaço de história ao púbico.

A história da amostra começa em 1941, quando as potências bélicas do mundo estavam competindo para desenvolver uma bomba atômica, concentrando-se principalmente na fissão nuclear do urânio.

Em Berkeley naquele ano, Seaborg, junto com Arthur Wahl e Joseph Kennedy, sintetizaram um elemento completamente novo: o plutônio. Ainda que só tenham produzido quantidades praticamente nulas de plutônio ao bombardear urânio 238 com deutério – partículas compostas de um próton e um nêutron – os pesquisadores rapidamente determinaram que aquele elemento tinha potencial explosivo como material de bomba nuclear.

No início de 1942, cientistas que estudavam a reação nuclear em cadeia, como o físico Enrico Fermi, e a química do plutônio, como Seaborg, receberam ordens de ir até a University of Chicago para começar a trabalhar no Projeto Manhattan, desenvolvendo a bomba atômica. (Seaborg escreveu sobre a síntese do plutônio, e de vários outros elementos, em um artigo de abril de 1950 publicado em Scientific American que inclui uma fotografia granulada de uma amostra desenvolvida em Chicago).

Como o plutônio tinha acabado de ser descoberto, os cientistas não conheciam suas propriedades muito bem. Eles precisavam de uma maior quantidade do elemento para aprender a usá-lo em armas nucleares. Para produzir mais plutônio e superar as dificuldades de estudar misturas radioativas de metal contendo quantidades infinitamente diminutas do elemento, um grupo conduzido por Seaborg disparou nêutrons contra centenas de quilos de sais de urânio.

Após uma série de medidas de purificação, os químicos de Chicago, Burris Cunningham e Lewis Erner, finalmente conseguiram extrair pequenas quantidades de sal de plutônio do material original. Esses sais, porém, armazenavam uma pequena quantidade de água dentro de sua estrutura cristalina. Ao queimarem esses sais no ar – e assim fazê-los reagir com oxigênio – os cientistas criaram um óxido de plutônio livre de água. Pela primeira vez, eles foram capazes de colocar seu composto puro em uma balança feita especificamente para isso e registraram ter isolado 2,77 microgramas de produto. “Eles podiam ver o elemento”, declara o engenheiro nuclear de Berkeley, Eric Norman, que conduziu alguns dos novos testes para identificar as origens da amostra. “Ninguém jamais tinha visto plutônio antes disso”.

Cortesia de Eric Norman/U.C. Berkeley
Essa minúscula quantidade de plutônio, criada pelo Projeto Manhattan, foi a primeira a ser diretamente observada por seres humanos. 

“Um espécime daquele tamanho era impressionante naquela época”, observa Cynthia Kelly, fundadora da Atomic Heritage Foundation em Washington, capital. “Eram necessárias centenas de milhões de dólares para produzir até mesmo pequenas quantidades”. Aquela amostra e os métodos que a produziram iriam, nos três anos seguintes, ajudar a avançar a ciência do plutônio o suficiente para produzir a bomba Fat Man. (A bomba de Hiroshima, lançada alguns dias antes, tinha um núcleo de urânio).

Seaborg recebeu o Nobel em 1951 por sintetizar plutônio e outros elementos além do urânio, estendendo a tabela periódica. A University of Chicago lhe concedeu a amostra original de plutônio, de 2,77 microgramas, como presente, envolta em uma caixa plástica transparente. (“A radioatividade dessa amostra é incrivelmente baixa e não põe a saúde de ninguém em risco”, explica Norman). Seaborg então doou a amostra ao Lawrence Hall of Science, na U.C. Berkeley, que começou a exibí-la em um estojo de vidro em 1979, junto com uma placa descrevendo suas origens. Então, em 2007, a equipe do local removeu o estojo em favor de exposições mais interativas durante uma reforma. O recipiente ficou definhando na sala de armazenagem, com pouca indicação de sua importância.

Em 2008, Phil Broughton, físico médico da U.C. Berkeley, encontrou uma caixa plástica transparente com uma etiqueta que dizia “Primeira amostra de Pu a ser pesada. 2,7 µg” enquanto analisava o inventário da Instalação de Materiais Perigosos. Broughton declara ter ficado chocado, porque uma placa citando o trabalho de Seaborg estava logo ao lado da caixa. “Isso é o equivalente da pedra lunar original”, destaca ele. Mas sem quaisquer evidências acompanhando a caixa, ele temia que seu conteúdo fosse esquecido.

Durante vários anos, pareceu que os termores de Broughton eram bem justificados. Ele perguntou, por exemplo, se a Instituição Smithsonian em Washington, capital, queria a amostra. Os curadores de lá, porém, queriam que Broughton lhes desse provas definitivas de que aquela era a amostra de 1942, e ele não tinha nada além da placa, que não é exatamente uma evidência científica. A caixa permaneceu em sua prisão sem janelas.

Em julho de 2014, Broughton pediu que o Departamento de Engenharia Nuclear de Berkeley o ajudasse a identificar o material. Norman, junto com outro engenheiro nuclear, Keenan Thomas, e uma assistente de pesquisa de graduação da San Diego State University, Kristina Tellhami, se ofereceram para testar a amostra. Eles procuraram cuidadosamente por “assinaturas” de plutônio decaindo em urânio – raios gama emitidos por núcleos atômicos e raios-X emitidos por elétrons – usando um detector de ionização de germânio.

As medidas da equipe de Berkeley mostraram que a amostra definitivamente era plutônio de alta pureza. Eles também detectaram outros indícios que apontavam para sua origem no Projeto Manhattan. A abordagem de Seaborg só tinha produzido plutônio 239, que decai muito lentamente em urânio 238. A produção mais recente de plutônio, realizada ao se bombardear urânio com nêutrons em reatores nucleares, às vezes também produz plutônio 241, que decai mais rapidamente no elemento amerício. Não existe sinal de amerício no plutônio de Berkeley.

Os cientistas estimam que a amostra tenha uma massa de plutõnio de 1,7 a 2,3 microgramas. Isso é ‘incrivelmente’ próximo do que restaria após a subtração da massa de oxigênio contida no óxido de plutônio original, observa Norman. Um sinal de raios-X que corresponde a um recipiente de reação feito de platina, o tipo usado por Cunningham e Werner, também indica que aquela é a amostra resgatada.

No momento, a caixa plástica permanece sob a custódia de Broughton e seus colegas. Norman espera que ela seja exibida no mesmo laboratório de química de Berkeley onde a equipe de Seaborg realizou sua memorável descoberta original. O departamento de química da universidade está ávido para obter a amostra. Mas o laboratório de Seaborg ainda está sendo usado para pesquisa, então limitações de espaço o impedem de se tornar o local de uma exibição permanente.

Kelly concorda que a exibição do plutônio em um laboratório-museu seria uma ótima ideia, apontando que Berkeley também poderia se tornar parte do novo Parque Histórico Nacional do Projeto Manhattan, que inclui muitas das instalações originais do projeto. O presidente Barack Obama assinou uma lei autorizando o parque no fim do ano passado. Esse reconhecimento parece um reflexo apropriado do impacto do artefato: raramente algo tão pequeno teve repercussões que reverberam tão longe no futuro.
Scientific American Brasil

Felicidade é inerentemente social

Estudos mostram que sem amigos ou familiares até experiências extraordinárias podem desapontar

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Daniel Yudkin

Imagine que você está com alguns amigos em um show, e o segurança se aproxima do grupo e diz que, como todos estão com um aspecto tão encantador essa noite, ele foi instruído a oferecer a um de vocês — só a um! — um passe para os bastidores para conhecer o artista.

Você se candidata? Para a maioria das pessoas isso seria quase automático: quem não agarraria a chance de conhecer um cantor famoso ou conseguir um autógrafo desejado há muito tempo?

Os resultados de um recente estudo, publicado em Psychological Science por Gus Cooney, Daniel Gilbert, e Timothy Wilson, no entanto, sugerem que é melhor refletir um segundo antes de aceitar o passe livre.

Os três pesquisadores suspeitavam que experiências extraordinárias, como conhecer um ídolo musical, têm seus ônus ocultos.

Eles teorizaram que, embora essas ocorrências sem dúvida nos deixem momentaneamente mais felizes, elas também envolvem o risco de nos separar de nossos amigos, levando a uma sensação tão desagradável de isolamento a ponto de superar qualquer satisfação ou euforia sentida de início.

Para testar essa ideia, os pesquisadores formaram grupos de quatro pessoas e as fizeram assistir a um videoclipe.

Três integrantes do grupo foram informados de que assistiriam a um clipe que outras pessoas haviam avaliado previamente com uma classificação de duas estrelas. O quarto integrante, por outro lado, teria a chance de ver um clipe especial de quatro estrelas.

Depois de assistirem aos vídeos, as quatro pessoas tiveram algum tempo para conversar entre si, e, em seguida, cada uma falou sobre seu contentamento, ou felicidade, em geral.

Normalmente, podemos esperar que o objeto de estudo que viu o clipe de 4 estrelas é o que se sente mais feliz. Afinal, ele era o felizardo que havia visto o vídeo “extraordinário”, enquanto os outros, pobres coitados, tiveram de aguentar um clipe ruim.

Mas a realidade foi exatamente o oposto: os que tinham assistido ao clipe “melhor” se sentiram pior que seus pares.

Por quê?

Os dados sugeriram que as pessoas que tiveram a “experiência extraordinária”, de fato tinham se sentido tão excluídas da conversa após a apresentação do videoclipe que qualquer empolgação que pudesse ter sido transmitida a elas pelo vídeo em si foi completamente anulada, ou apagada.

Isso seria como se enquanto você fosse até o camarim para bajular seu artista favorito, seus amigos procurassem um bar e criassem uma piada hilariante só entre eles.

O estudo sugere que o valor hedônico que ganhamos de experiências não se origina tanto do prazer imediato que elas transmitem, mas da posterior alegria que sentimos ao revivê-las com outros.

Para muitos de nós, as histórias que contamos, como as da música “Glory Days”, de Bruce Springsteen, acrescem, à medida que as recontamos, novas “camadas” de uma riqueza que é inatingível se elas são vivenciadas sozinhas, sem companhia.

Em um nível mais abrangente, o estudo também demonstra a profunda contingência social de nossa compreensão do mundo.

Tudo o que fazemos e vemos é interpretado através de nossas interações com outros. Esse enraizamento social é tão completo, de fato, que nossa companhia não molda apenas nossas experiências depois que elas ocorreram, mas também enquanto ocorrem, um aspecto vividamente demonstrado em um estudo separado, publicado na mesma edição de Psychological Science.

Esse trabalho, conduzido por Erica Boothby, Margaret Clark, e John Bargh, examina o poder da “experiência compartilhada” e mostra que a mera sensação de união, de estar junto, é suficiente para amplificar a intensidade percebida de sensações como o sabor de chocolate.

Em um experimento engenhosamente concebido, os pesquisadores pediram a voluntários que se sentassem a uma mesa com um parceiro e avaliassem duas barras de chocolate.

Sem que soubessem, esse “parceiro” era, de fato, um cúmplice dos cientistas.

Os objetos de estudo saboreavam uma das barras de chocolate simultaneamente com o parceiro; e a outra enquanto ele estava ocupado com outra coisa. (Foram tomados cuidados para garantir que as pessoas não pudessem ver suas respostas entre si.)

Qual das duas barras de chocolate era mais saborosa?

De acordo com os participantes, uma das barras era significativamente mais gostosa que a outra, e, de modo geral, mais palatável.

E é aqui que está a questão: as duas barras eram idênticas. A única diferença foi que as pessoas haviam degustado uma delas, a mais “saborosa”, ao mesmo tempo que seus parceiros.

Esse estudo demonstra o poder da companhia, da união, para mudar qualidades básicas de experiências.

Observe que isso não ocorre por que companhia torna as experiências melhores, mas porque ela as torna mais intensas. Em um experimento posterior, os pesquisadores mostraram que experiência compartilhada também piora sabores amargos.

Portanto, a sensação de companhia parece tanto aumentar o prazer do que é positivo, como aumentar o desprazer do que é negativo.

Como fragmentos de matéria que flutuam no espaço, humanos se aglomeram em comunidades.

Esses agrupamentos servem a vários propósitos: eles oferecem proteção e segurança, proporcionam recursos físicos e emocionais, e transmitem uma sensação de significado e de pertencer.

Discutivelmente, eles também detêm um poder maior ainda: influenciar ativamente o modo como interpretamos o mundo.

Os mais deslumbrantes fogos de artifício podem parecer sem graça quando vistos quando estamos sós; enquanto o mais banal dos espetáculos parece muito inspirador na companhia de bons amigos.

Estar com outros acrescenta um toque de “Technicolor” à monotonia mundana da vida cotidiana.

Portanto, tudo indica que a melhor maneira de escolher seu próximo show, ou concerto, seria ao se concentrar não na fama do astro, mas na qualidade da sua companhia.

Sobre os autores: Daniel Yudkin é candidato a doutorado em psicologia social na New York University e pianista de jazz. Ele se graduou pela Williams College, foi um fellow na Harvard University, e atualmente vive em Brooklyn. Você pode segui-lo em @dyudkin e conhecer mais em seu website.
Scientific American Brasil