quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Felicidade é inerentemente social

Estudos mostram que sem amigos ou familiares até experiências extraordinárias podem desapontar

Shutterstock

Daniel Yudkin

Imagine que você está com alguns amigos em um show, e o segurança se aproxima do grupo e diz que, como todos estão com um aspecto tão encantador essa noite, ele foi instruído a oferecer a um de vocês — só a um! — um passe para os bastidores para conhecer o artista.

Você se candidata? Para a maioria das pessoas isso seria quase automático: quem não agarraria a chance de conhecer um cantor famoso ou conseguir um autógrafo desejado há muito tempo?

Os resultados de um recente estudo, publicado em Psychological Science por Gus Cooney, Daniel Gilbert, e Timothy Wilson, no entanto, sugerem que é melhor refletir um segundo antes de aceitar o passe livre.

Os três pesquisadores suspeitavam que experiências extraordinárias, como conhecer um ídolo musical, têm seus ônus ocultos.

Eles teorizaram que, embora essas ocorrências sem dúvida nos deixem momentaneamente mais felizes, elas também envolvem o risco de nos separar de nossos amigos, levando a uma sensação tão desagradável de isolamento a ponto de superar qualquer satisfação ou euforia sentida de início.

Para testar essa ideia, os pesquisadores formaram grupos de quatro pessoas e as fizeram assistir a um videoclipe.

Três integrantes do grupo foram informados de que assistiriam a um clipe que outras pessoas haviam avaliado previamente com uma classificação de duas estrelas. O quarto integrante, por outro lado, teria a chance de ver um clipe especial de quatro estrelas.

Depois de assistirem aos vídeos, as quatro pessoas tiveram algum tempo para conversar entre si, e, em seguida, cada uma falou sobre seu contentamento, ou felicidade, em geral.

Normalmente, podemos esperar que o objeto de estudo que viu o clipe de 4 estrelas é o que se sente mais feliz. Afinal, ele era o felizardo que havia visto o vídeo “extraordinário”, enquanto os outros, pobres coitados, tiveram de aguentar um clipe ruim.

Mas a realidade foi exatamente o oposto: os que tinham assistido ao clipe “melhor” se sentiram pior que seus pares.

Por quê?

Os dados sugeriram que as pessoas que tiveram a “experiência extraordinária”, de fato tinham se sentido tão excluídas da conversa após a apresentação do videoclipe que qualquer empolgação que pudesse ter sido transmitida a elas pelo vídeo em si foi completamente anulada, ou apagada.

Isso seria como se enquanto você fosse até o camarim para bajular seu artista favorito, seus amigos procurassem um bar e criassem uma piada hilariante só entre eles.

O estudo sugere que o valor hedônico que ganhamos de experiências não se origina tanto do prazer imediato que elas transmitem, mas da posterior alegria que sentimos ao revivê-las com outros.

Para muitos de nós, as histórias que contamos, como as da música “Glory Days”, de Bruce Springsteen, acrescem, à medida que as recontamos, novas “camadas” de uma riqueza que é inatingível se elas são vivenciadas sozinhas, sem companhia.

Em um nível mais abrangente, o estudo também demonstra a profunda contingência social de nossa compreensão do mundo.

Tudo o que fazemos e vemos é interpretado através de nossas interações com outros. Esse enraizamento social é tão completo, de fato, que nossa companhia não molda apenas nossas experiências depois que elas ocorreram, mas também enquanto ocorrem, um aspecto vividamente demonstrado em um estudo separado, publicado na mesma edição de Psychological Science.

Esse trabalho, conduzido por Erica Boothby, Margaret Clark, e John Bargh, examina o poder da “experiência compartilhada” e mostra que a mera sensação de união, de estar junto, é suficiente para amplificar a intensidade percebida de sensações como o sabor de chocolate.

Em um experimento engenhosamente concebido, os pesquisadores pediram a voluntários que se sentassem a uma mesa com um parceiro e avaliassem duas barras de chocolate.

Sem que soubessem, esse “parceiro” era, de fato, um cúmplice dos cientistas.

Os objetos de estudo saboreavam uma das barras de chocolate simultaneamente com o parceiro; e a outra enquanto ele estava ocupado com outra coisa. (Foram tomados cuidados para garantir que as pessoas não pudessem ver suas respostas entre si.)

Qual das duas barras de chocolate era mais saborosa?

De acordo com os participantes, uma das barras era significativamente mais gostosa que a outra, e, de modo geral, mais palatável.

E é aqui que está a questão: as duas barras eram idênticas. A única diferença foi que as pessoas haviam degustado uma delas, a mais “saborosa”, ao mesmo tempo que seus parceiros.

Esse estudo demonstra o poder da companhia, da união, para mudar qualidades básicas de experiências.

Observe que isso não ocorre por que companhia torna as experiências melhores, mas porque ela as torna mais intensas. Em um experimento posterior, os pesquisadores mostraram que experiência compartilhada também piora sabores amargos.

Portanto, a sensação de companhia parece tanto aumentar o prazer do que é positivo, como aumentar o desprazer do que é negativo.

Como fragmentos de matéria que flutuam no espaço, humanos se aglomeram em comunidades.

Esses agrupamentos servem a vários propósitos: eles oferecem proteção e segurança, proporcionam recursos físicos e emocionais, e transmitem uma sensação de significado e de pertencer.

Discutivelmente, eles também detêm um poder maior ainda: influenciar ativamente o modo como interpretamos o mundo.

Os mais deslumbrantes fogos de artifício podem parecer sem graça quando vistos quando estamos sós; enquanto o mais banal dos espetáculos parece muito inspirador na companhia de bons amigos.

Estar com outros acrescenta um toque de “Technicolor” à monotonia mundana da vida cotidiana.

Portanto, tudo indica que a melhor maneira de escolher seu próximo show, ou concerto, seria ao se concentrar não na fama do astro, mas na qualidade da sua companhia.

Sobre os autores: Daniel Yudkin é candidato a doutorado em psicologia social na New York University e pianista de jazz. Ele se graduou pela Williams College, foi um fellow na Harvard University, e atualmente vive em Brooklyn. Você pode segui-lo em @dyudkin e conhecer mais em seu website.
Scientific American Brasil

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